Shape e “outline” de uma prancha: o que muda e como tirar proveito disso.

Bom, voltando finalmente depois de alguns (vários) meses sem escrever aqui, com muita gente me perguntando onde estavam as atualizações do blog. Esse ano terminei minha pós-graduação então agora o tempo livre vai ser pra surfar ainda mais e escrever sempre que possível. Já tenho mais dois textos prontos e vou soltando ao longo dos próximos meses.

No último ano não tivemos nenhuma novidade relevante em relação a materiais (tirando o grande lançamento agora em Maio de 2015 das pranchas com stringers cambiáveis, que vou fazer um review aqui logo mais), então hoje vou falar um pouco do desenho básico de uma prancha de bodyboard. Antigamente (como já abordado aqui) não existiam opções de tamanho, bloco e etc no mercado como existe hoje. Nem de cores. Todas as pranchas eram vendidas nas medidas 42 ou 43, sempre com os mesmos “color combos”, e ver gente surfando com verdadeiras “balsas” era muito comum.

A partir de meados da década de 90, com o lançamento da Morey Boogie Mach 7-40 assinada por Mike Stewart e também de versões menores da BZ Ben Severson, as marcas perceberam que havia sim uma demanda para as pranchas menores. Seja para as mulheres, que ainda eram obrigadas a surfar com pranchas enormes, ou pra aquele bodyboarder que já conseguia perceber que em certas condições uma prancha menor e mais rápida fazia toda a diferença.

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 Publicidade muito bem humorada (e executada) da Morey Boogie em 1995 anunciando os dois modelos de Mach 7-7 assinados por Mike Stewart. Fonte: Arquivo Pessoal Bodyboarding Magazine

  Mas sempre houve uma variedade grande de shapes e desenhos, e o que chamava mais a atenção sempre era uma grande diferença principalmente na altura do chamado “wide point”, que é a parte mais larga e que vai definir o desenho geral da prancha. Hoje em dia a maioria das pranchas tem o WP na altura dos cotovelos, garantindo assim a rápida troca de borda e velocidade na cavada. Mas antigamente não era assim, um exemplo disso é a BZ Ben T-10 que tinha o WP bem perto do bico, quase na linha do punho. Isso garantia uma velocidade enorme na linha do tubo, mas não era uma prancha muito boa em curvas e trocas de borda.

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Diferentes versões da BZ Ben T-10 no começo dos anos 90. Destaque para a “Ben Ts”, prancha bem pequena perto de um mundo de pranchas 42 e 43. Fonte: bodyboardmuseum.com

As pranchas da Morey Boogie seguiam obviamente a linha da Mach 7-7, que é ainda a mais usada até hoje, de bordas razoavelmente paralelas mas com um WP mais para o meio da prancha e uma curva mais suave. Exemplos clássicos desse outline (linha externa) hoje em dia são as pranchas do campeão mundial Ben Player (talvez a linha mais suave e “quadrada” no mercado) e também algumas outras, em sua maioria modelos das marcas australianas. O mercado australiano acabou dominado por um desenho mais suave e quadrado, sempre com bordas muito paralelas e rabeta crescente, que funciona bem demais em ondas rápidas e propícias para o nosso esporte. Hoje não existe mais nenhum “pro-model” australiano com rabeta bat-tail, simplesmente por questões de um mercado que não absorve mais essa combinação.

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Exemplos clássicos da “escola” australiana de proporções e medidas. Da esq. para a direita: NMD Finlay, Versus Jake Stone e Funkshen Ryan Hardy. Fonte: Bodyboardking.com

Mas aí você me pergunta: Como escolher uma prancha analisando o outline/shape? Eu imagino que iniciantes devem acima de tudo escolher uma prancha mais larga, e conforme seu nível e apetite por ondas grandes e mais cavadas for aumentando, diminuimos a largura e o tamanho geral da prancha. Acredito que a largura e o desenho final sejam mais importantes muitas vezes que a precisão com que se escolhe e se comenta tamanho hoje em dia. Sempre dá pra subir ou descer 1/2 polegada no tamanho, mas o outline define incrivelmente como a prancha vai funcionar. Bodyboarders com um pouco mais de peso por exemplo sempre terão vantagem com uma prancha maior e mais larga, assim como os mais altos devem ir atrás de pranchas maiores no tamanho mas sempre com um desenho mais suave e estreito. E tem também quem goste de mais borda, mesmo em ondas grandes. Mas eu sempre dou a dica pra testar o maior número de opções possível, as vezes você pode estar surfando com a prancha errada e nem sabe.

Hoje inclusive vemos a maioria dos bodyboarders de alto nível surfando com pranchas bem menores e extremamente “quadradas”, indo atrás sempre dessa velocidade e rapidez que essa “massa” menor pode dar em uma situação específica. Caso clássico do bodyboarder paulista Renan Faccini e suas pranchas tamanho 40,5. Perguntei pra ele o porque de usar pranchas tão pequenas e ele me respondeu: “Eu sempre gostei de pegar onda com pranchas menores pelo fato de ter uma cavada e resposta mais rápidas do que uma prancha tamanho padrão. Agora existe sim uma dificuldade maior em completar manobras como backflips, mas ao mesmo tempo todas as manobras que são completadas saem mais limpas, porque você só vai conseguir executar com o corpo totalmente colado na prancha. Eu sempre gostei de bater manobras o mais colado possível e para mim a prancha menor tem funcionado muito bem.” Percebemos na resposta do Renan como o tamanho da prancha vai influenciar demais seu estilo e linha de onda. Com aquela prancha menor não adianta querer mandar um backflip onde a onda não tem força.

renan respect Renan usando toda a vantagem de uma prancha mais estreita, com detalhe pro seu Pro Model da marca portuguesa Respect. Fonte: Passing Through/renanfaccini.com

Mas apesar de todo esse apelo atual das pranchas com o desenho mais estreito e rabeta crescente, ainda existem algumas opções mais largas e que remetem a desenhos mais antigos, caso por exemplo das pranchas do hexacampeão mundial Guilherme Tâmega e também da marca brasileira B2BR. No mercado internacional a BZ também ainda disponibiliza modelos um pouco mais largos, assim como as pranchas do havaiano Jeff Hubbard e sua marca Hubboard. Jeff inclusive sempre usou pranchas largas e meio grandes demais pro padrão, mas que funcionam demais pra ele. Como eu disse tudo é uma questão de adaptação e de se descobrir o que funciona melhor pra você.

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Exemplos de pranchas mais largas disponíveis hoje no mercado. Da esq. para a direita: GTBoards Mega-T, B2BR Rebel Pro, BZ Fundamental e Hubboards Hubb Edition. Fonte: Ebodyboarding.com / B2BR.com.br

E como o desenho da prancha vai te ajudar, te atrapalhar ou influenciar o jeito como você surfa? Isso na teoria é bem simples: Com pranchas mais largas, o bodyboarder vai ter mais facilidade em ondas mais fracas ou em momentos em que a onda não tem tanta força, mas em contrapartida em dias maiores a prancha não vai ter toda essa velocidade nas trocas de direção. Já que existe mais “massa” e mais borda, todos os movimentos acabam sendo mais lentos, principalmente nas cavadas e nas trocas de borda. Já com uma prancha mais estreita e com um desenho suave do bico até a rabeta, tudo é mais rápido quando a onda tem força, mas quando se perde pressão a prancha exige de você uma linha de onda mais clássica pra não ficar pra trás. E isso vai definitivamente definir como você surfa, que linha você acaba “desenhando” nas ondas, e de que jeito suas manobras serão executadas e finalizadas. Com uma prancha mais estreita um ARS naquele mar de 0,5 metro vai ser mais arrastado, ou muitas vezes nem completado. Mas naquela bomba de 1,5 metro a cavada mais rápida vai te mandar pro espaço, com certeza.

A partir daí tudo é uma questão de escolha e adaptação. Uma pessoa que entende demais de design de pranchas é meu amigo Christian Brito (que já deu sua opinião aqui no blog sobre as pranchas Parabolic), e a gente sempre conversa demais sobre shape, materiais e lançamentos do mercado mundial. Perguntei pra ele como o desenho de uma prancha pode influenciar o jeito que alguém surfa, e ele me disse que “hoje em dia as pranchas mais estreitas e com pouca curva em seu outline permitem readaptar a maneira de se surfar para algo mais limpo, procurando fazer o que a onda realmente pede e mais importante, o que a onda permite. Essa nova tendência de designs mais limpos e suaves te ajuda a surfar de um jeito mais racional, dando mais tempo para ler a onda, permitindo mais resposta, controle, fluidez, velocidade e bottom turns mais seguros e projetados. Resumindo, os desenhos mais estreitos e de pouca curva permitem manobras mais limpas em ondas fortes, drops mais verticais e muito mais controle dentro do tubo, sem aquela sensação de se estar “dirigindo um ônibus” quando você precisa apenas de pequenas correções e de muita velocidade”.

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Christian usando toda a velocidade de uma prancha estreita pra passar essa bela sessão em Padang Padang. Imagem: Arquivo Pessoal Christian Brito

O segredo é identificar que tipo de onda você surfa normalmente, e as vezes quem sabe ter duas pranchas com características distintas e que se adaptem a diferentes condições, tirando proveito total do seu equipamento. As possibilidades são enormes e achar aquela prancha mágica que funcione bem em qualquer condição é uma proeza e tanto!

Eu tenho usado já a alguns anos as pranchas do campeão mundial Ben Player. Para mim até hoje foi o desenho que se adaptou melhor a diversos tipos de onda e diferentes condições. Vendo alguns vídeos pela internet percebe-se como ele tira proveito de um pouco mais de borda em alguns momentos, mas consegue surfar com maestria ondas extremas como Pipeline, Teahupoo e outras. As pranchas Science da lenda havaiana Mike Stewart também acabam indo pra esse lado com um desenho mais all around, bom exemplo disso é o modelo Pocket LTD que tem praticamente o mesmo desenho das NMD Ben Player. Pranchas como as da marca australiana Found e também as pranchas Pride já tem características menos versáteis e acabam funcionando melhor e quase que exclusivamente em ondas com muita força, graças ao bloco mais fino e desenho muito pequeno e estreito.

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Exemplo de dois shapes estreitos mas ao mesmo tempo versáteis: NMD Ben Player e Science Pocket LTD.

Fonte: nmdboardco.com/ebodyboarding.com 

Agora cabe a você ir atrás e tentar identificar a que desenho/shape você se adapta melhor. Sempre que possível tente surfar ou pelo menos ficar em cima de uma prancha diferente dentro d’água. Assim você vai identificando como funciona a “pegada” de modelos diferentes e o quanto ele flutua com você por cima. Peça sempre e encha o saco daquele amigo ou conhecido que apareceu na praia com um modelo novo. O conhecimento pra tudo nessa vida a gente ganha com diferentes situações e repertórios.

É isso, o próximo post será sobre o sistema ISS de diferentes stringers, grande novidade lançada mês passado.

Até a próxima, te vejo na água!

Paulo Fleury