Os anos 1990 se caracterizaram definitivamente pela explosão de popularidade do Bodyboarding no mundo. No Brasil o esporte virou uma febre não só nas areias mas também na mídia, com imagens na TV Globo todo final de semana praticamente. Ao redor do mundo não foi diferente e junto com isso vieram uma série de empresas querendo capitalizar em cima disso, principalmente nos equipamentos e acessórios.
Já falei das marcas de surfwear aqui e dei exemplos com imagens inclusive, mas existiu também uma onda de pequenas e grandes marcas do próprio esporte desenvolvendo criações e ideias altamente inventivas. Algumas funcionavam e outras nem tanto, virando às vezes somente motivo de piada.
Vou listar aqui algumas que eu lembrei numa pesquisa rápida aqui no meu arquivo de revistas dos anos 1990, principalmente na revista Bodyboarding americana, que na época fazia a cobertura do que era o maior mercado no mundo.
1. Luvas A.P.E.
Nessa época era bem comum ver alguns dos principais bodyboarders havaianos (os melhores do mundo nesse período) usando um tipo de luva, que teoricamente ajudava na remada e também facilitava o “grip” na hora de segurar a prancha. Ben Severson era provavelmente o rider mais famoso a usar esse equipamento, no caso da marca “A.P.E.”. Na minha humilde opinião não teria algo pra te atrapalhar mais na hora de surfar (talvez usar um leash no pé junto com a luva). Mas o dinheiro do patrocínio tava ali e Ben Severson queria inteligentemente capitalizar ao máximo. A Morey Boogie também vendia uma versão dessas luvas, mas nenhum atleta do seu time as utilizava. Mike Stewart chegou a usar luvas no final dos anos 1980 também, mas depois acabou abandonando.
Ainda bem que essa fase das luvas passou, não é mesmo? 🙂
2. Morey Boogie Mach 8-TX / Mach SCS
A Morey Boogie era na época a maior marca em popularidade e números de venda, com uma linha extensa de modelos e um time estrelado de bodyboarders (que incluía Mike Stewart para se ter uma ideia). Isso dava margem pra arriscar ideias mirabolantes e negociar com a indústria de materiais de uma maneira diferente, como no caso dos fundos Surlyn, que nessa época já eram o padrão máximo de performance. Assim criou-se então o fundo texturizado chamado de “Air Speed Bottom”, com uma textura em baixo relevo que teoricamente captava ar entre o fundo e a água e fazia a prancha deslizar mais e ir mais rápido. Na prática a coisa era um pouco diferente e logo o uso desse fundo foi abandonado. A Mach SCS ainda tinha um sistema de canaletas pré moldado no fundo, algo que provavelmente foi a única vez que foi usado pelo que eu me lembro (vide imagem abaixo).
3. BZ Release Rails / BZ Air Concave
A marca americana BZ (que teve por muitos anos filial aqui no Brasil) disputava a liderança do mercado americano e mundial junto com a Morey Boogie, e não ficava atrás nesse quesito de novidades e invenções. As duas que mais me chamaram a atenção tem relação com essa ideia da Mach 8TX, de fazer a prancha ir mais rápido de alguma maneira. No modelo “Release Rails”, alguns buracos eram feitos superficialmente nas bordas perto da rabeta, pra criar uma zona de menos pressão, arrasto e turbulência, e por consequência gerar mais velocidade.
O outro modelo chamado “Air Concave” tinha um concave/canaleta bem no meio da prancha, também pra gerar essa mesma área de menor pressão e fazer com que a água passasse por ali mais rápido. Me lembrou de alguma maneira a ideia dos phazers utilizados pelo brasileiro Marcus Kung. Imagina hoje o que esse pessoal não inventaria com os robôs lixadores das fábricas atuais. 🙂
4. Pranchas com bloco de PU
Para se ter uma ideia do tamanho do mercado do Bodyboarding nessa época, marcas/shapers de pranchas de Surf acabavam se aventurando e criando pranchas de Bodyboard nos mesmos moldes, com bloco de PU e acabamento em fibra de vidro. É o caso da prancha da Insanity, uma marca americana. O outro exemplo, da marca Hypersonic Blade, tem o mesmo bloco de PU, mas nesse caso o bloco é revestido por uma cobertura de espuma de alguma densidade específica não informada. Fiquei imaginando a volta de um backflip nessas pranchas hoje em dia, seria da areia diretamente pro hospital.
5. Posi-Trak Channel System
Esse acessório aqui talvez seja pra mim o mais controverso, do ponto de vista funcional. A Posi-Trak anunciava seu sistema de canaletas com adesivo para serem coladas no fundo das pranchas, garantindo assim mais velocidade e controle. Na minha cabeça essas pequenas “vigas” iriam gerar apenas mais arrasto, deixando todo o conjunto mais lento. Não tem nada a ver com o sistema de canaletas normais que já vem na prancha, que apenas faz com que a água percorra um caminho maior, diminuindo sua velocidade e criando uma zona de maior “apoio”. Enfim, mais um item esquisito e sem muita funcionalidade produzido na época, e que acabou sumindo do mercado com o tempo.
6. Body Pro Pocket Rocket
Essa prancha da marca Body Pro do ano de 1992 era algo bem diferente (mesmo com tantos designs inventivos e materiais diversos nessa época) não somente pelo shape (que teoricamente teria mais a ver com uma prancha de surfe), mas também pelos materiais. Seu deck era de EVA (aquela espuma dos tapetes de ioga) revestido por uma camada de lycra estampada (!?!).
O bloco era de Arcel, e o fundo era de estireno, algo próximo do material dos copos descartáveis. Suas bordas faziam uma transição ao longo da prancha (vide imagem), começando em 90/10 no bico, ficando 50/50 no meio e chegando na rabeta com 10/90. Algo absolutamente engenhoso pra época, isso bem antes do lançamento das bordas “transitional” de Ben Severson na BZ e na BSD. Com 50 polegadas de tamanho e uma rabeta minúscula de 5.5 polegadas (as pranchas “normais” tem algo em torno de pelo menos 17″), a Pocket Rocket se comportava muito como uma prancha de surf, ganhando muita velocidade e fazendo trocas de borda muito mais rápidas e fechadas do que uma prancha normal. O seu tamanho exagerado acabava incomodando na hora de bater as pernas e se posicionar em cima da prancha, e seu design tão diferente acabou não fazendo sucesso. Preço também não ajudava ($235 dólares), já que isso era o dobro de uma Mach 7-7 e no mesmo nível de uma Ben T-10 na época.
7. Nadadeiras Flips
Essas nadadeiras poderiam ser o sonho de quem tem sempre problemas de adaptação e feridas com as nadadeiras “comuns”, feitas de borracha. Com design minimalista, ela era feita de uma barbatana de plástico e de alças que são presas por velcro ou presilhas ao longo do pé, algo que teoricamente seria extremamente confortável. Mas além da fragilidade do plástico na barbatana, não consigo imaginar alguém usando isso em alguma onda mais rápida ou extrema, como Pipeline por exemplo. Imagino que nessa época algumas pequenas empresas tentaram entrar no mercado mirando o consumidor eventual de final de semana (e seu $$$ logicamente), e esse provavelmente era o caso da Flips.
8. Pranchas Eliminater
Essa marca era bem diferente de todas as outras não pelos seus shapes ou atletas que faziam parte de seu time, e sim pelos materiais utilizados na construção das pranchas. Além do bloco de Arcel (comum na época), todo o resto da prancha era feito de vinil marítimo de 10 milímetros, algo totalmente incomum até hoje. Não sei exatamente como a prancha se comportava, mas pelas fotos dá pra ver que tinha que colocar muita parafina, já que o vinil é algo extremamente liso quando molhado. Detalhe também para as bordas 30/70, que na minha cabeça não fazem o menor sentido, provavelmente deviam fazer a prancha afundar na volta das manobras e deixar solta demais nas cavadas.
É isso, acho que deu pra ter uma ideia de como os anos 1990 foram inventivos e também como a indústria era mais descentralizada, não existia essa história atual de apenas 2 fábricas de pranchas, 3 fábricas de nadadeiras e etc… Sem a globalização em seu estágio acelerado, cada marca conseguia desenvolver suas próprias ideias e aplicá-las na sua própria fábrica, nunca dependendo da boa vontade de uma fábrica do outro lado do mundo, como funciona hoje.
Conforme eu for achando mais produtos ou características estranhas, vou atualizando esse post. Invencionices não faltam.
Vejo vocês na água!
Paulo Fleury